Quatro histórias diferentes procuram explicar a invenção do
panetone - o pão doce e macio, perfumado e amanteigado, repleto de uvas passas e frutas cristalizadas, com formato de chapéu de cozinheiro, clássico de Milão, na Itália, hoje consumido no Natal do mundo inteiro.
A primeira e mais célebre, repetida desde o século 19, atribui sua criação a um certo Toni, ajudante da cozinha de Ludovico Sforza, o Mouro (1452-1508), duque de Milão. Não dispondo de dinheiro para o casamento da filha, ele preparou um pão doce e rico, que serviu na festa nupcial. Teria nascido assim o
“pan de Toni” (dialeto milanês), posteriormente batizado de panettone.
A outra versão também envolve Sforza. Em um dos banquetes de Natal oferecidos pelo duque, o cozinheiro distraído queimou a sobremesa e a substituiu pelo enorme pão doce que o subalterno Toni fizera como experiência. Sforza gostou e perguntou o nome do que comia. Na falta de outra designação, chamaram-no
“pan de Toni”.
A terceira variante permanece relacionada ao duque. O jovem Ughetto, filho de Giacometto degli Atellani, escudeiro de Sforza, apaixonou-se por Adalgisa, filha de um padeiro. Como a moça era pobre, a família do rapaz contrariou o namoro. Mas Ughetto teve a idéia de ajudar o pai de Adalgisa a inventar um pão que fez sucesso e o tornou rico, propiciando seu casamento com a amada.
A última versão credita o panetone a uma freira doceira coincidentemente chamada Ughetta, que vivia num convento onde a falta de recursos impedia a realização da festa de Natal. A religiosa viabilizou a comemoração preparando um pão com açúcar, manteiga, ovos e pedacinhos de cidra, colocando a massa para levedar demoradamente e assando-a até ficar dourada.
Apesar de românticas, essas explicações não encontram sustentação histórica. É o que mostra o pesquisador e ensaísta italiano
Stanislao Porzio, no livro Il Panettone - Storia, Leggende e Segreti di un Protagonista del Natale (Guido Tommasi Editore, Milano, 2007). Segundo ele, o apetitoso pão natalino foi criado e aprimorado por autores anônimos, ao longo dos séculos. Originou-se na antiga
“cerimônia do tronco”, uma velha liturgia doméstica realizada durante a Idade Média e Renascença, que misturava elementos pagãos e convicções cristãs. Acontecia na véspera do Natal, em boa parte da Europa, sobretudo na Itália. O dono da casa marcava uma cruz no alto de três grandes porções de massa de pão e as colocava para assar. Depois, pegava um pesado tronco de árvore e punha na lareira sobre ramos de zimbro. Ateava-lhe fogo, jogava um pouco de vinho nas chamas, tomava um gole e passava a bebida para os membros. Prosseguia a liturgia atirando uma moeda no tronco e distribuindo outras aos presentes. Finalmente, partia cada pangrande ou panatton, oferecendo pedaços ao grupo e guardando um para o Natal seguinte. Galeazzo Maria Sforza (1469-1494), irmão mais velho e antecessor de Ludovico no ducado de Milão, promovia em família a cerimônia do tronco.
A celebração era repleta de significados. Os pães divididos evocavam a Santíssima Trindade; a tora representava a árvore pagã do Bem e do Mal; o vinho, o sangue de Cristo; o fogo recordava a missão redentora do fundador do cristianismo. Para Stanislao Porzio, dela resultou o atual panetone. Ao longo dos anos, a preparação foi ganhando as características atuais, inclusive “um uso particularmente sofisticado da fermentação natural”. Mas só recebeu a primeira menção oficial em 1570, no livro Opera dell’Arte del Cucinare, do chef Bartolomeo Scappi, cozinheiro dos papas Paulo III e Pio V. Posteriormente, apareceu definido assim no dicionário Varon Milanes de la Lengua de Milan, de 1606: “Panatton (…) , pão gigante que se costuma fazer no dia de Natal”. Seu nome definitivo, porém, continua a suscitar discussões. Alguns autores, mesmo aceitando o primado da “cerimônia do tronco”, associam a palavra panetone ao vocábulo milanês panett, com o qual os padeiros da região designavam a conhecida massa madre. Já o formato atual de chapéu de cozinheiro só apareceu no início do século 20, quando entrou em cena o padeiro e confeiteiro Angelo Motta, de Milão. Pioneiro na industrialização da especialidade, ele aperfeiçoou a antiga receita, na qual aumentou a porcentagem de manteiga, ovo, açúcar, uva passa e frutas cristalizadas, além de ampliar-lhe o tempo de levitação e cozimento. É considerado por isso “o reinventor e favorecedor de sua expansão internacional”. No Brasil, a novidade chegou em 1952, trazida pelo italiano Carlo Bauducco, dono da marca homônima, de São Paulo. Foi assim que iniciamos a adoçar nosso Natal com o indispensável panetone.
Chef Marcio Lopes "sempre com vocês."